José Viana refere que acompanhava ensaios na paróquia com amigos mais velhos em idade pré-militar ou em sala de aula, entre eles, jovens mais velhos que fugiam para os países nórdicos, em 1972 para fugir à guerra colonial. A figura do reitor surge na sequência uma imagem de qualidade que se queria construir a partir da década de sessenta com uma cultura organizacional própria, “a figura do reitor, fortemente legitimada pela autoridade delegada que recebe do Estado, joga um papel fulcral neste processo, assegurando paradoxalmente, uma certa margem de autonomia no funcionamento dos liceus” (Nóvoa, 1996: p.302). Alguns entrevistados falam de um reitor “(…) liberal. Homem contido. Não seria uma pessoa grata do regime …não era de oposição, mas tinha atitudes de defesa dos direitos dos alunos” (Entrevista a José Rato, 2023) , outros falam de um reitor como figura conciliatória, “era simpático e afável”(Elísio Summavielle, 2023) e outros descrevem a situação de “contínuos muito temerosos do poder do reitor… variavam um pouco, alguns com uma posição mais conciliatória e outros eram agentes da ditadura, ferozes do ponto de vista da defesa da ditadura e portanto o estudante que era apanhado a conversar era punido” (Entrevista a Francisco Louçã, 2023). Envolvendo a escola, o espaço público do novo bairro era marcado por locais de convívio e de relação onde os estudantes interagiam. José Viana, que inaugurou o liceu em 1965, refere que “No nosso tempo discutimos situações de âmbito social, económico, desportivo de forma franca” – nós andamos a analisar 9 metros que um atleta saltava… a bomba de hidrogénio …no nosso tempo um acontecimento desse tipo era marcante por causa da Guerra fria, a guerra colonial, tudo isso pesava em nós” (Entrevista a José Viana, 2023), estas discussões aconteciam nos cafés da zona: “O hábito de frequentar cafés era muito diferente do que é hoje pois as pessoas estavam muito mais constrangidas” (Entrevista de Francisco Louçã, 2023). Estudava-se namorava-se também, conspirava-se um pouco, frequentavam o festival de Vilar de Mouros, de jazz de Cascais, festas de garagem “festas animadas , com gira discos que duravam no máximo até a meia noite”(Entrevista a João Pessoa, 2023), a rádio, programas como os Parodiantes de Lisboa, a ida ao cinema, no bairro e na cidade, ao qual este se ligava pela nova linha do metro, as sessões de reprise, “filmes já antigos e que tinham uma vantagem, pelo preço de um bilhete viam dois filmes” (Entrevista a José Rato, 2023”. Facto curioso é a interação com o liceu Rainha Dona Leonor, liceu feminino de que todos os antigos alunos referem. O facto de a escola ser masculina segundo alguns, alterava a dinâmica e a única forma de relacionamento com as raparigas do liceu Rainha Dona Leonor acontecia através do café Sul América, em grupo, devido às convenções da época o que segundo José Viana levava a “situações patéticas comportalmente falando como a de se colocarem em frente ao liceu a olharem para dentro da sala de aula” (Entrevista, 2023). Segundo Antónia Honrada que estudou no liceu Rainha Dona Leonor refere que “era sabido que quando dava o toque eram correrias desenfreadas para esperar irmãs, namoradas e amigas à porta do Dona Leonor…era um corrupio, uma maratona” (Entrevista a Antónia Honrado, 2023). Todavia, esta relação passava também pelo ativismo político. Como refere Francisco Louçã: “Na escola D. Leonor também havia um grupo de raparigas que contestavam o regime e que por vezes se reuniam com os rapazes da Padre para preparem coisas em conjunto.” (Entrevista, 2023). Henrique Cayatte fala deste espaço como sendo “interclassista” e “absolutamente crítico”.
Um tempo houve em que,
De tão próximo, quase podias ouvir
O silêncio do mundo pulsando
Onde também tu eras mundo, coisa pulsante.
Manuel António Pina
Sob escombros in Como se desenha uma casa
O dia 25 de abril foi marcante para os jovens que relembram episódios por que passaram e em que estiveram diretamente envolvidos. Carlos Batista, aluno no PAV com 12 anos, na altura, lembra-se claramente que “nas notícias se falava de uma coluna militar que vinha a caminho de Lisboa”, mas sem consciência do que estava a acontecer. Lembra-se de uma liberdade que levou ao que considera “exageros” (Entrevista, 2032). José Rato, tem presente que “eu e um amigo meu, pegamos nos retratos do Almirante Tomás que era o Presidente da República e do Marcelo Caetano, e viemos ali, no meio do átrio …atiramos com os quadros a toda a força, retiramos os retratos e queimamos ali à porta…e depois o reitor mandou fechar o liceu” (Entrevista,2023). Jaime Lebre, relembra um episódio icónico da libertação das alunas do liceu Rainha Dona Leonor. Em termos educativos o período que se segue ao 25 de abril é um período conturbado, “durante cerca de dois anos, o país viveu, nas escolas, nas universidades, no próprio Ministério da Educação uma situação caracterizada por uma incontida vontade de democratizar o sistema “alterando o que estava, a que se juntou a ideia de “sanear” o ministério e as escolas de todos os elementos considerados afetos ao regime que vigorou até abril de 1974” (Grilo, 1994: 406- 407). Seguiram-se excessos que eram inevitáveis após anos de ditadura. Nos liceus e nas universidades a agitação era evidente e o liceu Padre António Vieira não fugiu à regra porque o assunto não eram eles, mas, como explicou Antónia Honrado: “as mudanças que estavam a ocorrer” e das quais estavam a fazer parte de forma direta ou indireta. Carlos Batista aluno do liceu PAV nessa época lembra-se que nesse dia já não teve aulas.
As reuniões, RGE e RGA aconteciam frequentemente, não havia aulas, despedimentos de professores acusados de fascistas, “eram um balão explosivo” e os alunos mobilizavam-se, “Fazia parte…se havia oportunidade de opinar ninguém queria ficar de fora” (Entrevista a Carlos Batista, 2023). Antónia Honrado destaca também essa agitação.
Carlos Batista lembra-se também de perseguições políticas.
Destacam-se os cafés que já existiam, mas onde as discussões políticas e tertúlias se impõem agora de forma aberta e intensa, nomeadamente, as tertúlias animadas no Vá Vá, “um escritório de resistência” para Elísio Summavielle. Antónia Honrado, por sua vez, recorda-se de um caso curioso volvidos uns quatro anos depois do 25 de abril.
Para Carlos Batista e restantes entrevistados, no entanto, o reconhecimento da liberdade, o fim da guerra colonial, o conhecimento dos presos entre familiares e amigos é evidente. Para este nosso entrevistado a consciência política nasceu após o 25 de abril pois já se discutia livremente. O 1º de maio de 1974 é um acontecimento marcante para vários dos nossos entrevistados, “absolutamente glorioso”, “cheio de gente”.
Alguns dos entrevistados referem-se ao serviço cívico estudantil após o 25 de abril e o seu envolvimento nas campanhas de alfabetização e educação sanitária, na zona de Chelas, nos bairros de barracas por detrás da escola, “houve um ano em que se fez o serviço cívico e fui para as brigadas alfas para o Alentejo, foi um tempo muito vivido, uma festa enorme” “Não era disciplina politicamente” (Entrevista a Elísio Summavielle, 2023), “era uma festa pegada”.
No entanto, estas campanhas, segundo Antónia Honrado punham à descoberta o que vinha do regime anterior e eram muito mais do que campanhas de alfabetização enquadradas nos novos tempos que se viviam.
Vivenciaram as ruas, as manifestações, os cantos livres, o período agitado do PREC, a questão dos regressados de África, Antónia Honrado explica esses tempos como um “balão em termos de ditadura” que não tem outra forma senão estourar de forma ruidosa “, “há uma glória em não ter estourado de forma violenta”, gerando uma inquietação na juventude resultante do regime em que se vivia, anteriormente Vivenciaram as ruas, as manifestações, os cantos livres, o período agitado do PREC, a questão dos regressados de África, Antónia Honrado explica esses tempos como um “balão em termos de ditadura” que não tem outra forma senão estourar de forma ruidosa “, “há uma glória em não ter estourado de forma violenta”.
De um modo geral, todos são unânimes na memória que têm desta “casa” e nas vivências, “O Liceu padre António Vieira foi uma escola de relações, companheirismo, de disciplina…” (João Pessoa) “Trouxe sentido de grupo, de disciplina… no bom e no mau sentido… rebeldia, o padre Armindo Garcia uma referência da minha vida… e amigos” (Elísio Summavielle) “Grande parte da minha formação profissional e mesmo como pessoa, aprendi muito, toda ela foi feita aqui no liceu Padre António Vieira… quer pelo convívio entre alunos quer pelo convívio com os professores…Este liceu foi muito especial, foi um marco…foi um Liceu digno do Padre António Vieira”(José Estevão Leal, 2023) .
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