© Arquivo Municipal de Lisboa
Como quem, vindo de países distantes fora de
Si, chega finalmente aonde sempre esteve
E encontra tudo no seu lugar,
O passado no passado, o presente no presente,
Assim chega o viajante à tardia idade
Em que se confundem ele e o caminho
Manuel António Pina
O Regresso in Como se desenha uma casa
O Liceu começou a ser construído em 1959, no novo bairro de Alvalade, um liceu masculino concebido para uma população de 700 estudantes. Esta construção integrou-se num plano mais vasto de expansão da cidade de Lisboa, o "Plano de Urbanização da zona a sul da Avenida Alfares Malheiro" (atual avenida do Brasil) da autoria do Arquiteto Faria da Costa, após a definição das linhas de desenvolvimento serem definidas por Étienne de Groër em 1945. Composto por diferentes células, oito, estruturadas em arruamentos que integram habitação e organizadas em torno de equipamentos diversos , nomeadamente, os escolares: a Escola Técnica Elementar Eugénio dos Santos (projeto do Arquiteto José Costa Silva), o Liceu Feminino da Rainha Dona Leonor (projeto do Arquiteto Augusto Brandão) e o Liceu Masculino Padre António Vieira (projeto do Arquiteto Ruy Jervis d'Athouguia), na célula VI e das escolas primárias das células VII (Bairro de São Miguel) e célula VIII (Rua Teixeira de Pascoais), ambas da autoria do mesmo arquiteto.
…
Um dia será ele quem nos dará a mão
E nos conduzirá por passagens interiores
Para dentro de casa,
Onde há tanto tempo cansadamente esperamos.
Manuel António Pina
Talvez de noite, 3. in Como se desenha uma casa
Entramos na “casa”, neste edifício, antigo liceu e hoje Escola Secundária Padre António Vieira e reconhecemos que grande parte dos atuais alunos que o frequentam desconhece quem o projetou, por isso, sente-se a necessidade de o apresentarmos através de uma breve síntese biográfica e por aquele que melhor pode falar dele, o seu neto, Duarte Pinto Coelho, que generosamente nos enviou um pequeno vídeo de memórias e considerações pessoais acerca do homem/avô e do arquiteto.
RUY JERVIS D’ATHOUGHIA nasceu em 1917, formado no Porto em Belas Artes - Arquitetura, “homem tímido e reservado com porte aristocrático, mas sem o precisar de o ser porque já o era” (Correia, 2019: p.7 e 8), apaixonado por poesia, por Fernando Pessoa, conviveu com Sophia de Mello Breyner, chegando mesmo a escrever manuscritos poéticos da sua autoria. Descomprometido politicamente, acaba por incomodar o regime ao expor-se à cidade com uma proposta de modernidade e vanguarda com a qual silenciosamente contorna o regime, associando “a uma evidente sensibilidade formal e visual, uma grande cultura arquitetónica” (Correia, 2013: p.15) formulada “num âmbito histórico e cultural determinado que lhe oferecia uma série de instrumentos teóricos, artísticos e materiais, cuja manipulação virá a definir o sentido da sua conceção” (Correia, 2013: p.10). A nova linguagem que traz para a arquitetura irá manifestar-se em inúmeros projetos sendo de destacar no Bairro de Alvalade, na Célula VII a escola primária de S. Miguel; na célula VIII, o Bairro das Estacas e a Escola Básica Teixeira de Pascoaes bem como o edifício residencial Lote 1, na Avenida Frei Miguel Contreiras em coautoria com o Arquiteto Formosinho Sanches; a Praça de Alvalade em coautoria com o Arquiteto Fernando Silva, estudo para o cruzamento da avenida de Roma com a Avenida da Igreja.
Centraremos a nossa atenção na célula VI onde ficou situada a Mata de Alvalade e o Liceu Masculino Padre António Vieira, este articula formas e materiais relacionando interiores e exteriores num conjunto que respira modernidade e contemporaneidade. As soluções encontradas para situar o edifício num desnível e o seu arranjo urbanístico na procura de um enquadramento adequado são-nos apresentadas por Henrique Cayatte, antigo aluno da ESPAV, designer gráfico e filho de arquiteto que, na sua entrevista, opta por iniciar a conversa acerca das opções do arquiteto, que considera “superior” em termos da sua construção no terreno.
O terreno ficaria assim situado num ponto dominante “cercado por todos os lados de vegetação” o que permitirá que a sua construção e volumetria se destaque como perspetiva de verdadeiro interesse urbano tal como refere João Pessoa, antigo aluno, “O espaço exterior, o lago, os relvados...tudo batia certo…” (Entrevista, 2023). O edifício distribui-se por três blocos autónomos que comunicam entre si: o corpo das salas de aula, os laboratórios, o corpo da Entrada principal e o corpo da Educação Física. As circulações interiores eram resolvidas por um conjunto de rampas que nas palavras de Henrique Cayatte “eram uma chatice” (Entrevista, 2023), pois eram ocas, assentavam em madeira e, por isso, ruidosas. Alguns referem a certa altura a proibição de nelas circularem alunos e apenas os professores estarem autorizados. No que respeita aos interiores a luz assume um papel central, Henrique Cayatte alude, sob o ponto de vista arquitetónico, às salas varridas “por uma frente de vidro de janelas” permitindo uma intensa iluminação bem como a utilização de novos materiais como o tijolo nas paredes. José Viana, um dos alunos a estrear o Liceu refere inclusivamente que era muito moderno para a época e a existência de elementos de vidro “era inusitada” tanto assim que um seu amigo embateu contra os vidros, recordação de um episódio da época. Para Henrique Cayatte, a sua entrada na escola terá sido um deslumbre pelas salas de aula, realçando a qualidade das mesas “individuais com tampo em fórmica verde-clara, isoladas, …os quadros são verde-escuros…amável para desenhar e escrever”. José Viana que estreou o liceu refere, a título de curiosidade que “a escola era nova, o espaço, as secretárias, as cadeiras, todos conheciam os alunos do “padre” pois sentavam-se nas cadeiras e quando saíam do liceu no fundo das calças estavam brilhantes, as cadeiras estavam com cera”. Destaca-se igualmente a influência corbusiana em Jervis d’Athouguia bem como a similitude em termos de conceção entre o edifício escolar e um outro projeto em que o arquiteto esteve envolvido em coautoria – a Fundação Calouste Gulbenkian. Vejamos de novo o momento em que Henrique Cayatte faz essa referência.
No grande átrio de entrada encontrava-se a obra, já não visível atualmente, de Estrela Faria o que mostra uma relação com a Gulbenkian onde se encontra o painel de Almada Negreiros, “Começar” num plano de destaque na entrada, a que não será estranho a admiração do arquiteto por Almada com quem se cruzou e cuja maturidade acompanhou a sua formação. Ainda a este propósito Jaime Lebre, antigo aluno do liceu, refere na entrevista que se lembra do painel da artista “na parede em frente à entrada que…estava sempre tapado com um plástico porque estava lá uma senhora a fazer uma pintura gigante e nós andávamos lá sempre a ver se a espreitávamos…era uma coisa cósmica”. O legado artístico neste antigo Liceu é, portanto, rico do ponto de vista arquitetónico bem como o das escolas que compõem o agrupamento, como a Escola Teixeira de Pascoaes com interiores decorados com painéis de Azulejos de Maria Keil e a Escola São João de Brito do arquiteto Cândido Palma de Melo e murais do próprio e de Maria Keil. Também na Escola Básica Gago Coutinho destacam-se as esculturas de Stella de Albuquerque. Portanto, um leque de arquitetos e artistas que apontam uma vertente moderna o que pode ser visto na seguinte apresentação acerca do património artístico do agrupamento.
Propomos uma visita guiada à sede do agrupamento – o antigo liceu- com o neto do arquiteto e a arquiteta Graça Correia Ragazzi, num documentário mais vasto sobre este homem “sublime”, “superior” e discreto, “Ruy Jervis d'Athouguia - Um Moderno por Descobrir”, da autoria de Nuno Costa Santos e Ricardo Clara Couto que propõe uma incursão pela vida de Ruy d´Athouguia, nome fundamental da arquitectura portuguesa, com a colaboração do seu neto, Duarte Athouguia Pinto Coelho e da arquiteta Graça Correia Ragazzi, uma estudiosa da sua obra e que apelamos a que se descubra, pelo que colocaremos aqui, pela sua pertinência um excerto da visita guiada à nossa Escola.
Segundo Henrique Cayatte havia “duas maneiras de viver o liceu”, uma no interior e outra realidade bem diferente no exterior em que “não era fácil” pois a escola estava cercada por “bairros de barracas”. José Rato, outro dos nossos entrevistados que esteve um ano no Liceu refere a pobreza de algumas zonas como a Quinta do Narigão na zona do Pote de Água. Em 1970, nas vésperas da revolução e segundo um estudo publicado na revista Visão História, só em Lisboa “viviam 90 mil pessoas em 185 00 barracas. Apesar das tentativas de Marcelo Caetano para mudar o pobre panorama da habitação em Portugal, os problemas estruturais mantiveram-se” (Lobo, 2023: p.28) Os nossos entrevistados, antigos alunos da Liceu, recordam-se dessa situação e aludem todos a esse facto, “lá fora não era fácil” [Henrique Cayatte], havia “esperas” à porta do Liceu, “encontrões”, roubos e algum clima de agressividade. João Pessoa, lembra-se de o pai dizer, “não levam relógios, canetas boas, ténis bons…pois podem ser assaltados”. Antónia Honrado que estudou na Escola Gago Coutinho, na altura, sucursal da Marquesa de Alorna e hoje escola que integra o agrupamento, recorda que “numa lógica da caridadezinha” participávamos nos “enchovaizinhos” …para ajudar os pobrezinhos, muito marcado ideologicamente” e “os rapazes… da Eugénio (dos Santos), escola masculina… faziam berços em madeira que nós meninas recheavam com enxovais …distribuídos por muitas famílias carenciadas do bairro, havia muita barraca em Alvalade que começava no aeroporto” (Entrevista a António Honrado, 2023). No final dos anos 60 havia manifesta falta de fogos não obstante esta ser uma zona de construção de bairros de renda limitada. Este é um problema que ainda irá persistir durante bastantes anos.
…
Uma casa dentro de uma casa,
Uma coisa viva e palpável como a morada de um cego
Tocando-nos levemente com receio de acordar-nos.
Manuel António Pina
Talvez de noite,3. in Como se desenha uma casa
Os entrevistados, dez antigos alunos do Liceu, entraram no liceu em épocas diferentes: na década de 60, alguns inaugurando o Liceu, em 1965, e outros na década de 70. Nem todos fizeram o Liceu os sete anos, alguns entraram mais tarde e três deles acabaram por sair, para o liceu Passos Manuel e dois deles ingressaram no Colégio Moderno. Importa aqui fazer um breve enquadramento da situação do ensino liceal e técnico nos anos correspondentes ao Estado Novo e marcelismo. Uma das primeiras providências da ditadura em matéria de instrução foi a proibição do ensino misto desde o ensino primário, “em 1937 ficou decidido que todos os centros com mais de 9500 habitantes deveriam ter duas escolas, uma para cada sexo, a não ser que isso fosse de todo impossível. E assim se manteve durante décadas. Só em 1973 seria restabelecido o ensino misto no ensino primário e instituído no ciclo preparatório do secundário. Escassos seis meses antes do 25 de abril” (Ruela, 2023: p.41). Na zona havia dois liceus, este masculino e o Liceu Rainha Dona Leonor, feminino, havendo uma interação entre ambos sendo as alunas, “amigas, namoradas, companheiras” nas palavras de João Pessoa e Costa na senda de “uma nova atitude das famílias em relação à educação das suas filhas” e tendo em conta as características socioeconómicas do próprio bairro. Este era, portanto, um dos liceus masculinos cuja inauguração se dá na década de sessenta, em que se pode falar “de uma verdadeira explosão escolar: em apenas quinze anos (1960 a 1975) a população escolar quase sextuplicou…transformando radicalmente a lógica e o sentido do ensino liceal"(Nóvoa, 1996: p.301). Alguns alunos vinham do ensino particular, de colégios da zona como o Colégio Valsassina e o Colégio Alemão, de famílias de classe média ou média alta na sequência de uma maior procura de uma educação de nível secundário como preparação para o ensino superior. A outra via era o ensino técnico com papel relevante na formação de quadros intermédios, mas que não conseguiu afastar na sua génese e organização um estigma social, uma impossibilidade de ascender ao ensino liceal. José Rato refere essa situação na suaentrevista.
O ambiente que se vivia na escola, na sua génese é descrito na generalidade com apresentando uma disciplina rígida, considerado “severo” e com um “clima pesado” por alguns entrevistados: ”uma conduta que era imposta que nos obrigava a uma restrição grande de comportamento”(Entrevista a José Viana, 2023), ao contrário do que acontecia no ensino primário onde havia maior afinidade com o professor e uma conduta imposta no que respeita, por exemplo, ao vestuário, “naquela época não havia calças de ganga ou ténis, tínhamos de nos apresentar com calças de terylene ou fazenda, sapatos tradicionais exceto os do 3º ciclo pré universitários que vinham de fato e gravata e frequentavam as salas de topo”( Entrevista a José Viana, 2023); no recreio, os alunos eram vigiados e estavam condicionados a determinadas atividades, João Pessoa e Costa refere uma suspensão de três dias por estarem a jogar futebol no recreio da parte de cima. Nem todos viam nessa disciplina algo obrigatoriamente mau considerando que aqui aprenderam a ser mais disciplinados, “foi aqui que aprendi e interiorizei aquilo que se chama uma disciplina consentida…nunca me recordo de haver aqui situações de rutura entre alunos e conflitos graves do ponto de vista físico e intelectual, uma solidariedade entre os alunos”, tendo em conta que tinha vindo de uma escola oficial mais rígida como refere José Estevão Leal (Entrevista, 2023). No entanto, vários alunos referem o peso da Mocidade Portuguesa pela qual passava a sua integração, pelo menos nos primeiros anos, descrita por José Viana.
Elísio Summavielle refere igualmente a organização e o seu impacto com uma disciplina férrea, a farda, o cinto com o “S” de Salazar. No seu caso nunca punha o cinto, sujeitando-se a ter faltas de material que acumulavam sendo chamados os seus pais ao liceu. Também Henrique Cayatte refere que nunca colocou uma farda da mocidade, o seu pai assinava um papel não autorizando e, por isso, aos sábados de manhã não participava na mocidade. Na generalidade, estes alunos vinham de famílias com alguma abertura e consciência política mesmo sem militância, embora alguns simpatizantes da esquerda, todos com amigos cujas famílias estavam claramente comprometidas na oposição ao regime e/ou familiares, amigos ou vizinhos que inclusivamente tinham sido presos e testemunhas de atos de resistência contra a PIDE em contexto de bairro e não só. Os pais assumiam muitas vezes os comportamentos de oposição às regras estabelecidas e eram chamados ao reitor por diversas razões. José Viana, refere aquilo que considera “um episódio estranhíssimo” que evidencia os tempos que se viviam relacionado com um trabalho na disciplina de geografia pelo qual o seu pai foi chamado. Terá escolhido para trabalhar o país da Checoslováquia.
Nas vésperas do 25 de abril, na década de 70, eram já muitos os estudantes do liceu que apesar de muito novos já tinham consciência politizada e/ou noção do ambiente que se vivia à sua volta, “ouvíamos falar, percebíamos, a rejeição à mocidade portuguesa era um ato político” (Entrevista a José Viana, 2023). Já na década de 70 refere-se a repressão, “que criava temor”, as reuniões em intervalos de aulas, reuniões secretas onde se debatiam assuntos polémicos, a preparação de greves às aulas, greve de silêncio, a distribuição de panfletos, faziam pichagens nas paredes, carimbos, atividades que tinham a ver com a Guerra ou com a repressão. Alguns já pertenciam ao MAEESL e a outras organizações políticas a que acrescem algumas manifestações no exterior. Antónia Honrado que apenas esteve um mês no liceu, lembra que este “era um liceu muito efervescente…muito forte” e relembra aquando das cheias de 1967, daqui foram muitos jovens ajudar nessa situação catastrófica, “usadas como bandeira” uma vez que o regime a queria omitir à opinião pública. Ajudaram na reconstrução e limpeza e “minar o que estava a ser passado cá para fora”. Muitos desses estudantes tinham catorze anos e ficaram impressionados com a tragédia, “Para muitos estudantes, as cheias de 67 foram um momento marcante de tomada de consciência das desigualdades e da injustiça social, de afastamento do ideário do regime e de politização muito rápida”, afirma o historiador Miguel Cardina. “Já não se tratava apenas de reivindicar mais autonomia para os movimentos estudantis, tratava-se de entender o estudante como alguém socialmente comprometido.” (Soares e Bourgard, 2017). Seguem-se alguns “convites” para saírem do liceu: Henrique Cayatte acaba por sair para o Liceu Passos Manuel, por “excessivo bom comportamento”, apesar de gostar de estar no liceu, “disseram, inscreves-te, mas tens de ir para o Passos Manuel que era só…na outra ponta da cidade”. Também Elísio Summavielle é convidado a sair.
Os entrevistados admitem ter saído para um outro ambiente: Henrique Cayatte “conheceu a mãe dos seus filhos e grandes amigos…não era difícil ter ações de contestação contra a GNR” pela localização da escola, o liceu Passos Manuel; José Viana e Elísio Summavielle destacam o “oásis de liberdade” que na altura era o Colégio moderno, ““aprazível, passei a ser dos melhores alunos da turma, relação com os professores, franca e transparente” (Entrevista a José Viana, 2023) .
Em relação aos professores e currículo, muitos referem que havia professores que se puseram do lado da ditadura e eram extensões do regime bem como outros que eram claramente contra. São referidos professores muito empenhados na qualidade do ensino, “muito bons em termos pedagógicos” (Entrevista a José Estevão Leal, 2023). Francisco Louçã refere que “teve professores magníficos, mas também teve professores maus e alguns eram fascistas... que explicavam a doutrina de Salazar como se fosse a única palavra dita no planeta terra”. Outros professores eram “muito solidários” e refere um momento particular:
Alguns entrevistados referem mesmo os nomes de certos desses professores marcantes, de forma positiva, considerados muito bons em termos pedagógicos, “um de matemática excecional, Matemática moderna” (Entrevista a José Estevão Alves, 2023), outros mais rígidos e alinhados com o regime que apresentavam atitude provocatórias e até insultuosas. José Viana, aluno em 1965 refere: “notava que os professores não tinham nada a ver com a mocidade…a grande maioria dos professores eram homens, havia poucas mulheres … o professor de História era sobrinho do Marcelo Caetano, “execrável”… entrava na sala de aula numa postura provocatória, usava luvas, pegava no livro de ponto e batia no tampo e enviava pó para cima dos alunos, …tinha o hábito de interrogar cinco ou seis alunos” com expressões insultuosas o que se refletia nas notas; havia outros que “adoravam” e por quem tinham carinho. Também Jaime Lebre refere um episódio em que o professor “chamava todas as aulas um aluno para lhe mostrar o caderno e arranjava maneira de o caderno estar mal…eu apresentei um caderno…impecável…atirou o caderno pela janela abaixo…tens o caderno todo sujo, tens de refazer o caderno” (Entrevista a Jaime Lebre, 2023). Como adolescentes que eram colocavam alcunhas aos professores, ““O sheltox” - dava muitas negativas, “rendimento mínimo garantido”; o de história, “o careca megalítico” (Entrevista a Elísio Summavielle, 2023). José Estevão Alves destaca no liceu diversas atividades naquele que ele refere como sendo um “caldeirão político”,.
João Pessoa e Costa também refere “O liceu tinha muito desporto, muitas equipas de várias modalidades e bons professores de desporto e havia muitos jogos entre escolas e liceus”. Os estudantes que depois saíram para o ensino particular viam a diferença na atitude dos professores, a maioria da oposição, era um nicho, muitos expulsos do ensino oficial, “o professor de português chegava a passar discos do Zeca Afonso na aula” (Entrevista a José Viana, 2023).
O destaque é dado aos professores de religião e moral e, apesar de alguns destes estudantes terem um papel assinado pelo pai a autorizar a sua dispensa da disciplina, acabavam por assistir mesmo não sendo católicos como Henrique Cayatte que refere que o seu professor, “falava sobre coisas muito interessantes e que nós não tínhamos muita área nem circuito para poder falar, sexualidade, música, festival Woodstock…”. São várias as referências à atividade de padres, na escola e fora da escola que mostravam abertura e permitiam a discussão e o debate como os padres Alberto Neto, Armindo Garcia e Maximino de Sousa. A sua ação paroquial e no ensino tinha a ver com a sua oposição ideológica em relação ao regime referente à pobreza, à guerra colonial, enquadrados em organizações juvenis católicas e que moldaram uma geração através do que diziam na catequese, acampamentos, excursões e em sala de aula numa época vigiada, de opressão em que não se falava abertamente, mas sub-repticiamente. A ligação do Padre Alberto Neto à pastoral juvenil e ao desporto deu-lhe a possibilidade de se dedicar ao ensino secundário, como professor de Religião e Moral e assistente religioso da Juventude Escolar Católica (JEC), em várias escolas e neste liceu. O Padre Armindo Garcia marcou toda uma geração que se movia entre as Avenidas Novas, a Avenida de Roma e o bairro de Alvalade, antes e depois do 25 de Abril. Acompanhou de perto a radicalização de muitos dos estudantes do liceu que o consideravam seu amigo. Esteve envolvido no “Caso da Capela do Rato”, e foi interrogado pela PIDE/DGS. José Estevão Leal afirma ser este um “homem espetacular e marcou-me”, “fora da caixa”, “padre que casou antigos colegas”, homem da Capela do Rato”
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